Pedro Amaral Jorge: Decisão de Trump "vai favorecer a Europa na captação de investimento" para as renováveis
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O financiamento disponível nos EUA para investir na transição energética pode ser canalizado para o espaço europeu, acredita o presidente da APREN. Não será por causa de Trump que os fundos vão deixar de investir.
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Como é que consegue ter tempo para tanta coisa?
Temos de utilizar a estratégia do livro “O Clube das 5 da Manhã” [de Robin Sharma]. O meu dia começa às 5h30. Obviamente, tenho sempre mais atividades do que aquelas que consigo realizar, mas isso é inerente à função. Vou tentando coordenar isso da melhor forma, nunca deixando de dar atenção porque todas elas requerem bastante.E o que é que o levou a interessar-se pela área da energia renovável?
Comecei a trabalhar em energia ainda no Instituto Superior Técnico, em Investigação e Desenvolvimento, curiosamente com a atual ministra do Ambiente, que era a minha professora – na altura, minha orientadora de investigação. E acho que foi no terceiro ano que trabalhei em coletores solares em leitos fluidizados, uma tecnologia para fazer transferência de energia térmica do sol para a água.E está a gostar desta experiência do associativismo?
Estou a adorar. Nem é só tanto associativismo. É o desafio de conseguir denominadores comuns de otimização de valor, sobre temas críticos. E, depois, com uma componente técnica muito grande, que me obriga a estudar diariamente esta evolução das diretivas, dos regulamentos europeus e da aplicabilidade a Portugal.Não está muito otimista?
Estou, porque não temos alternativa. Os processos de simplificação demoram sempre tempo. Mas com um contexto geopolítico que acelerou com a eleição do presidente Trump, a Comissão Europeia e os Estados-membros têm de refletir e [definir] muito rapidamente o que querem fazer em termos da sua autonomia e soberania, em termos políticos, energéticos e de transição digital. O relatório Draghi que deu origem ao Compass [EU Competitiveness Compass], para o aumento da competitividade e da segurança da União Europeia tem as medidas concretas.O que identificaria como a medida que mais urgentemente devia ser simplificado?
Por exemplo, a simplificação dos processos de licenciamento, a constituição das plataformas eletrónicas para desmaterialização e digitalização desses processos, a adaptação do regulamento para definir, em Portugal, os mercados a prazo e assim conseguir trazer contratos de eletricidade a prazo para os consumidores e produtores. E ter medidas fiscais e económicas que incentivem a eletrificação dos consumos rumo à competitividade e à redução de emissões. E que, de uma vez por todas, entendamos que a soberania energética – quer europeia, quer portuguesa ou ibérica – é impossível de outra forma que não seja através de energia renovável.Portugal continua na liderança das energias renováveis?
Portugal está no Top 4 dos países da Europa. Em 2024 tivemos 80,4% de incorporação de energia renovável na produção de eletricidade e 71% no consumo. Ou seja, estamos muito em linha para chegar às metas ambiciosas de incorporação de 85% da energia renovável na produção de eletricidade em 2030.Até chegamos mais cedo?
Tenho a esperança que sim, mas estou a ser cauteloso. Estou convencido que esta agenda geopolítica vai favorecer a Europa na captação de investimento para acelerar a transição energética. Mas se tivermos aqui um abandono do apoio militar, isto pode mudar completamente o contexto em que estamos inseridos. Este acordo com a Ucrânia não vai favorecer a Europa. Vai favorecer a Rússia. E os orçamentos de Estado podem ser obrigados a investir os tais 2,5% a 5% em defesa, em detrimento da transição energética e digital.Se for necessário mais dinheiro para a defesa, pode haver menos para a transição energética?
…E pode haver até menos espaço mental dos Estados-membros para tratar desse tema. E não é só para a transição energética, é também para todas as prestações sociais. Esse risco está em cima da mesa. Temos que deixar desenrolar os acontecimentos nos próximos seis meses e perceber se todas estas ordens executivas e tentativas de acordo – Gaza, Ucrânia, Gronelândia, Canadá, alterar o nome do Golfo do México para Golfo da América –, são um The Apprentice 2 [filme sobre Donald Trump] ou se é uma intenção da nação, não só do Presidente, mas também do Congresso e do Senado.E que outros impactos antecipa?
Uma vantagem pode estar relacionado com os investimentos ao abrigo do Inflation Reduction Act para os EUA. Não é porque a administração americana determina que não vai dar apoio à eólica e à solar ou mesmo à hídrica que os fundos e os investidores deixam de investir. Não acho que vá haver uma inversão total de transição energética. Até porque há muitas coisas que dependem dos Estados. Não estou a ver a Califórnia e o Texas, o Estado que mais solar e eólica instalou, a recuarem. Agora, vai provocar impasses de onde é se vai ou não se vai investir. E a Europa tem aqui uma oportunidade, acelerando a simplificação dos processos de atração de investimentos. E se tivermos um contexto mais estável e previsível na Europa, o financiamento disponível nos EUA pode ser canalizado para o espaço europeu e nós acelerarmos a transição energética. Criámos foi um contexto em que os investidores vão ficar receosos, se vamos ter ou não um problema bélico no espaço europeu. É mais um problema de incerteza do que de recursos financeiros.Como é que, com tanta energia renovável, o preço da eletricidade não baixa?
A única variável que a renovável consegue influenciar é a [do preço] da produção. E essa tem vindo a descer nos últimos dez anos. Temos é de permitir em Portugal que os consumidores possam contratar eletricidade a prazo só com base renovável. Isso ajuda os consumidores de eletricidade a ter previsibilidade e a captar o benefício das renováveis e ajuda os investidores em projetos renováveis a agregar massa crítica de consumo para financiar projetos.O problema dos licenciamentos está resolvido com a Estrutura de Missão?
Não está resolvido. A Estrutura de Missão começou a trabalhar. Mas isto é um processo que implica um alinhamento entre a APA, a DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia), as CCDR, os municípios, o ICNF... Não discordo que se tenha todo este processo, porque permite salvaguardar a vida selvagem, os valores ambientais. Mas temos de o fazer de uma forma mais pragmática e com um denominador comum entre os diferentes regulamentos e leis que o regem.Falemos de outras alternativas energéticas. As energias renováveis têm condições para garantir toda a procura ou precisamos de biocombustível?
Na APREN acreditamos em todas as energias renováveis, mas o foco é a produção de eletricidade. . Por exemplo, o biogás tem um papel fundamental de suprir parte dos consumos a gás, evitando a importação de gás natural. Mas nas projeções a longo prazo, à medida que a eletrificação dos consumos vai aumentando, esse gás, apesar de ter um ciclo de CO2 fechado, vai continuar a poluir e vamos reduzir a sua utilização. E nem é por uma questão ambiental, é por uma questão económica. A escalabilidade da eletricidade vai ser tal que vai ser mais barata que qualquer outra fonte de energia.E o hidrogénio, porque é o projeto controverso?
O hidrogénio vai ser um vetor energético para conseguir obter outras formas de energia. O problema do hidrogénio é que tem de ganhar escala, para que os custos venham por aí baixo. A questão é se vai ser a Europa a fazer isso ou a China. Quando olhamos para os números, dá a sensação que a China vai lá chegar primeiro.E devíamos apostar nessa área?
Claramente que sim, mas com toda a precaução. As tecnologias estão mais que comprovadas há décadas. Combinar eletricidade renovável, eletrolisadores, tratamento de água especial... Esta combinação é que é nova. Essa aprendizagem vai acontecer. Vamos estar no hidrogénio, não sei é se daqui a três ou a cinco anos.Finalmente a energia nuclear. Há quem defenda que é a mais limpa de todas.
A energia nuclear tem três problemas. O primeiro é a aceitação social. Se hoje tenho dificuldades em instalar uma turbina eólica ou um hectare de central fotovoltaica, gostava de saber que município ou população vai aceitar, mesmo que sejam reatores de menor dimensão. Depois, esses reatores estão mais atrasados em desenvolvimento tecnológico do que, por exemplo, o hidrogénio. E, quando a tecnologia estiver comercialmente utilizável, que sejam 10 ou 15 anos, já preenchi o vazio de mercado com eletricidade e as fontes são as renováveis. O nuclear quando chegar, só se vai poder fazer com subsídios de Estado. Não há nenhuma vantagem.O que é que o preocupa em 2025?
O desfecho da guerra da Ucrânia e o comportamento da administração Trump em relação a ele. E, caso esta intenção de invasão da Gronelândia não passar de propaganda para satisfazer os eleitores do MAGA, preocupa-me voltarmos ao modelo do século XIX de começar a ocupar espaço. Isso é a maior instabilidade que tivemos desde a II Guerra Mundial no espaço europeu.jornaldenegocios